A primeira romaria

A 2 de maio de 1935 São Josemaria foi fazer uma visita filial a Nossa Senhora de Sonsoles, com outras pessoas. "Vem-me agora à memória uma romaria que fiz em 1935 a uma ermida da Virgem em terra castelhana - a Sonsoles."

“Vem agora à minha memória uma romaria que fiz em 1935, a uma ermida da Virgem em terra castelhana: a Sonsoles.
Não era uma romaria tal como se entende habitualmente. Não era ruidosa nem multitudinária: íamos apenas três pessoas. Respeito e amo essas outras manifestações públicas de piedade, mas pessoalmente prefiro tentar oferecer a Maria o mesmo carinho e o mesmo entusiasmo por meio de visitas pessoais ou em pequenos grupos, com sabor de intimidade.
Naquela romaria a Sonsoles, conheci a origem dessa invocação à Virgem, um detalhe sem muita importância, mas que é uma manifestação filial da gente daquela terra. A imagem de Nossa Senhora que se venera naquele lugar esteve escondida durante certo tempo, na época das lutas entre cristãos e muçulmanos na Espanha. Ao fim de alguns anos, foi encontrada por uns pastores que - segundo conta a tradição -, ao vê-la, exclamaram: Que olhos tão formosos! São sóis!*” (É Cristo que passa, 139).

Em 1935, a devoção à Santíssima Virgem tinha lugar destacado no plano de vida espiritual que São Josemaria Escrivá delineara para os membros do Opus Dei. Previa a recitação diária (…) do Rosário, do Ângelus e outras práticas de devoção mariana. Escrivá sentiu ainda a necessidade de manifestar de um modo concreto a devoção a Nossa Senhora durante o mês de maio que lhe é dedicado tradicionalmente na Igreja. Encontrou a solução baseando-se num caso sucedido na vida do Opus Dei.

Em 2017 foi colocado um relevo em Sonsoles, recordando a primeira romaria do fundador do Opus Dei

Ricardo Fernández Vallespín contou a Josemaria Escrivá que durante o Verão de 1933 um ataque de reumatismo esteve a ponto de o impedir de terminar o projeto que tinha de apresentar para terminar o curso de Arquitetura. Se não o entregasse a tempo perderia o ano. Tinha rezado a Nossa Senhora e prometera-lhe que, se conseguisse completar o projeto satisfatoriamente, faria uma romaria ao Santuário de Sonsoles, situado nos arredores de Ávila. Tinha conseguido apresentá-lo antes de pedir a admissão no Opus Dei, mas não cumprira ainda a promessa. Josemaria Escrivá ofereceu-se para o acompanhar, não numa romaria pública, mas num grupo de três formado pelos dois e José Maria Barredo.

No dia 2 de maio de 1935 tomaram o trem de Madri para Ávila e depois percorreram a pé os quatro quilômetros até ao santuário. Rezaram cinco mistérios do Rosário durante o caminho. O santuário via-se ao longe, no alto de uma pequena colina. Em dado momento, contudo, perderam-no de vista por uns instantes. Escrivá converteu este pequeno episódio numa parábola da vida espiritual: “Assim faz Deus conosco muitas vezes. Mostra-nos claramente o fim e dá-no-lo a contemplar, para nos firmar no caminho da sua amabilíssima Vontade. E, quando já estamos perto de’Ele, deixa-nos nas trevas, parecendo abandonar-nos. É a hora da tentação: dúvidas, lutas, escuridão, cansaço, desejo de nos sentarmos à beira do caminho… Mas não: adiante. A hora da tentação é também a hora da fé e do abandono filial no Pai-Deus. Fora com as dúvidas, as vacilações e as indecisões! Vi o caminho, empreendi-o e sigo-o”.

No santuário rezaram outros cinco mistérios do Rosário, e os cinco últimos no trajeto de regresso à estação do trem. O caminho levou-os por campos de trigo maduro. Escrivá colheu umas poucas de espigas de trigo. “Veio então à minha memória um texto do Evangelho, umas palavras que Nosso Senhor dirigiu ao grupo dos discípulos: ‘Não dizeis vós que ainda há quatro meses até à ceifa? Pois eu digo-vos: Levantai os olhos e vede os campos que já estão brancos para a ceifa’ (Jo IV, 35). Pensei uma vez mais que o Senhor queria meter nos nossos corações o mesmo desejo, o mesmo fogo que dominava o seu”.

No regresso de Sonsoles, Josemaria Escrivá estabeleceu o costume de que todos os anos os fiéis do Opus Dei honrassem a Virgem Maria desta maneira no mês de maio: com uma romaria simples e penitente, feita num pequeno grupo, com o fim de ajudar todos a terem mais devoção a Nossa Senhora.

John F. Coverdale, A fundação do Opus Dei, p. 162-163