Dois Homens – Dois Santos

Estamos a celebrar hoje a festa litúrgica de São Josemaria Escrivá e celebramos há quatro dias (a 22 deste mês) a de São Tomás Moro.

Não é porém esta proximidade de datas que os liga, mas sim a maneira como Tomás Moro, muitos séculos antes de Josemaria Escrivá soube viver a santidade no meio do mundo.

A 9 de Janeiro de 1902, nasceu em Barbastro aquele que viria a ser mais tarde São Josemaria Escrivá o Fundador do Opus Dei. Crescido e educado numa família cristã, nunca lhe passou pela cabeça a ideia de se fazer sacerdote. Um dia, já perto dos seus 16 anos, e a viver em Logronho, viu umas pegadas na neve de alguém que se levantara cedo. Não as pegadas de calçado normal para a época – botas ou sapatos apropriados –, mas sim as de um carmelita descalço do mosteiro que ficava próximo. Ficou muito impressionado e, perante uma vida tão sacrificada por Amor a Deus, perguntou-se o que poderia fazer ele próprio. Como estudante, sempre tinha pensado em ser arquitecto. Resolveu, com o apoio do pai e a orientação espiritual desse mesmo carmelita, tornar-se sacerdote para estar mais disponível para cumprir os desígnios de Deus a seu respeito. De facto assim aconteceu e depois dos estudos feitos, foi ordenado sacerdote a 28 de Março de 1925.

Em 2 de Outubro de 1928, «viu» finalmente o que Deus queria dele – a Fundação do que mais tarde se viria a designar por Opus Dei e que veio inculcar nas pessoas do seu tempo a ideia de que a santidade é para todos e que o modo de atingir essa santidade é cada um manter-se no seu lugar, “santificando o seu trabalho profissional; santificando-se com esse trabalho; e santificando os outros com esse trabalho”.

Viveu e pregou incansavelmente este modo de santidade e em 26 de Junho de 1975, morreu, “espremido como um limão”, como costumava dizer, a propósito da generosidade na entrega que cada um deve fazer de si a Deus, no estado e lugar em que se encontra. A 17 de Maio de 1992, João Paulo II beatifica-o e a 6 de Outubro de 2002 canoniza-o. A doutrina que sempre pregou – a chamada universal à santidade – sancionada pelo Concílio Vaticano II, ficou assim viva num modelo para todos os cristãos.

Quatrocentos e vinte e quatro anos antes, em 1478, nasceu, em Londres, Tomas Moro, que viria a ser um grande humanista, um juiz recto e prestigiado, embaixador, conselheiro e Chanceler de Inglaterra. Era um modelo de amigo, de pai e de esposo. Foi um homem de grande sentido prático que trabalhou para viver a sua vida espiritual em plenitude. Isso não o impediu de participar ativamente na vida pública do seu país. A sua infelicidade, humanamente falando, foi ter vivido no tempo do Rei Henrique VIII; sob o ponto de vista sobrenatural esse facto foi a causa da sua grandeza.

Tomás Moro nunca esqueceu o sentido do mistério do cristianismo; tinha um grande apreço pelos sacramentos e a união do material com o espiritual. João Paulo II na Carta Apostólica sob a forma de Motu Próprio em que declarava Tomás Moro Patrono dos Governantes e Políticos, cita a Exortação pós-sinodal Christifideles laici, nº 17: “a unidade de vida dos fiéis leigos é de enorme importância, pois eles têm que se santificar na vida profissional e social normal. Assim, para que possam corresponder à sua vocação, os fiéis leigos devem olhar as atividades da vida quotidiana como ocasião de união com Deus e de cumprimento da sua vontade, e também como serviço aos outros homens”.

A sua vida familiar nunca foi descurada pelas inquietações religiosas ou pelo seu trabalho intenso. Soube ser um bom filho, como soube ser um bom chefe de família e um profissional excelente.

Francesco Cossiga, aquando da canonização de São Josemaria, escreveu um artigo em Il Tempo em que se pode ler a dado passo, referindo-se a São Tomás Moro: “Foi leigo e talvez o primeiro santo leigo, de tal modo – a hipótese é minha – que, se tivesse vivido nos nossos dias, poderia talvez ter pertencido ao Opus Dei”.

Acrescento que foi Francesco Cossiga um dos que contribuiu, com a recolha de assinaturas, para pedir ao Santo Padre que nomeasse São Tomás Moro Patrono dos Governantes e Políticos e teve o apoio de pessoas da direita, do centro e da esquerda, quer em Itália, quer no estrangeiro.

São Josemaria tinha uma particular devoção a São Tomás Moro, pois via nele o prenúncio da vocação laical que tanto pregou.

Maria Fernanda Barroca, Diário do Minho, 26-VI-04