Os últimos momentos da vida de São Josemaria

Josemaria Escrivá celebrou missa às oito. Às nove e meia, saía para Castelgandolfo. Depois de chegar a Villa delle Rose, reuniu-se em tertúlia e passados vinte minutos, sentiu-se indisposto. Como não se recompunha, despediu-se. Chegaram a Roma antes das doze, o Padre saiu do carro com rapidez e o semblante risonho.

Na quarta-feira, 25 de Junho, celebrou em família o aniversário da ordenação dostrês primeiros sacerdotes. Na terra, estavam Álvaro del Portillo e José Luís Múzquíz (Chiqui já estava no céu). Tivera-os muito presentes na sua Missa; eles e os que se tinham ordenado depois deles; e os que se ordenariam dentro de algumas semanas. Pedia ao Senhor que todas as suas filhas e os seus filhos tivessem sempre alma sacerdotal. Tinha rezado muito por todos, e concretamente para que a alma sacerdotal calasse muito fundo em cada uma das suas filhas.

São Josemaria com os três primeiros sacerdotes do Opus Dei, a 25-VI-1969, dia das suas bodas de prata sacerdotais

A felicidade do Padre e o seu bom humor estiveram patentes na tertúlia do almoço. Em diversas ocasiões, tirou do bolso um pequeno apito de barro que lhe tinham oferecido, dias antes as raparigas de um clube juvenil e, voltando-se para o Pe. Javier, soprava-o, com o consequente regozijo geral.

À tarde, assistiu à exposição e bênção com o Santíssimo, no oratório da Sagrada Família. Tinha sido um dia intenso, cheio de oração; chegou à noite bastante fatigado. Ao descer as escadas para a tertúlia da noite, o Padre levava a chávena com o chá de camomila que o médico lhe tinha receitado. Os que o acompanhavam fizeram menção de lhe pegar na bandeja, para que não tivesse dificuldade em ver os degraus, já que mal os distinguia. Mas ele recusava queixando-se em tom de brincadeira: nem sequer me deixam fazer estes pequenos sacrifícios!

Diante do local onde se encontrava sentado havia uma estátua de Nossa Senhora à qual dirigia olhares frequentes, recitando jaculatórias interiormente. Durante a tertúlia, antes de se retirar para o quarto, via-se que estava concentrado em oração. Que pensamentos lhe atravessariam o espírito?

São Josemaria com um grupo de jovens, duas semanas antes do seu falecimento

26 de Junho

No dia seguinte, quinta-feira, 26 de Junho, celebrou Missa às 8h da manhã, ajudado pelo Pe. Javier Echevarría. Era Missa votiva de Nossa Senhora, em cuja coleta o sacerdote pede “a perfeita saúde de alma e de corpo”, frase que deve tê-lo comovido de forma particular nesse dia, porque as últimas palavras que anotou na agenda, apesar de as saber perfeitamente de cor, foram as palavras finais dessa colecta: a praesenti liberare tristitia et aeterna perfrui laetitia – para que libertos das tristezas presentes, gozemos para sempre das alegrias eternas.

Às nove e meia, partia de automóvel para Castelgandolfo com Mons. Álvaro del Portillo, o Pe. Echevarría e Javier Cotelo, um arquiteto, ao encontro das suas filhas. Ao saírem de Villa Tevere, começaram a rezar os mistérios gozosos do rosário. A viagem prolongou-se devido a umas obras na estrada. Durante o percurso comentou que talvez pudessem ir, nessa mesma tarde, visitar o oratório de Nossa Senhora dos Anjos, em Cavabianca. Chegados a Villa delle Rose, o centro de Castelgandolfo, entrou no oratório onde permaneceu uns momentos de joelhos. Depois reuniu-se com as suas filhas na sala de estar, para fazer uma tertúlia. Nesse soggiorno, havia um quadro de Nossa Senhora em que a Virgem apoia delicadamente o rosto na cabeça do Menino, atraindo-o a si e segura graciosamente nos dedos da outra mão uma rosa de cor pálida.

O Fundador pousou os dedos no quadro. Era seu costume invariável cumprimentar a Senhora ao entrar e ao sair de algum aposento.

A imagem tinha pertencido a Dona Dolores e havia recolhido os seus últimos olhares antes de morrer. Era vulgarmente conhecida como “Virgem do menino penteadinho”, porque o Menino Jesus, que terá uns dois ou três anos é rosado e bochechudo, com um trejeito gracioso; tem o cabelo loiro, penteado com risca ao lado. Tinham-lhe preparado um cadeirão, que o Padre ofereceu a Mons. Álvaro del Portillo, optando por uma cadeira. Disse-lhes então:

"A Virgem do Menino penteadinho”

Tinha muita vontade de vir aqui. Estamos passando estas últimas horas em Roma, para concluir algumas coisas, de maneira que já não estou para os outros; só para estas minhas filhas.

Recordou-lhes a festa da véspera 25 de Junho, aniversário da ordenação dos três primeiros sacerdotes do Opus Dei, e que em breve se ordenariam mais cinquenta e quatro. Pareciam-lhes muitos? Eram poucos. As necessidades apostólicas, absorvê-los-iam rapidamente:

Como vos digo sempre, esta água de Deus que é o sacerdócio, bebe-a a terra da Obra num instante. Desaparecem logo.

Dir-vos-ei como sempre que venho aqui, vós tendes alma sacerdotal. Os vossos irmãos leigos também têm alma sacerdotal. Podeis e deveis ajudar com essa alma sacerdotal e, juntamente com a graça do Senhor e o sacerdócio ministerial em nós, sacerdotes da Obra, faremos um trabalho eficaz.

A conversa decorria plácida e amena, com histórias e recomendações. Vinte minutos depois, sentiu-se indisposto. A tertúlia foi interrompida. Estava enjoado, e teve de ir descansar uns minutos. Como não ficasse bem, despediu-se, pedindo-lhes que lhe perdoassem os incômodos que tinha causado.

Eram 11h20m. Regressaram a Roma pelo caminho mais curto. O calor apertava e o Padre atribuía o seu mal-estar a esse fato. No regresso, não tiveram demoras, e entraram em Villa Tevere uns minutos antes do meio-dia. O Padre saiu do carro com ligeireza e o semblante risonho. Ninguém suspeitava de mais do que uma leve indisposição.

Foi ao oratório, onde fez a sua habitual genuflexão: devota, pausada, com um cumprimento ao Senhor Sacramentado. Dirigiu-se imediatamente para o quarto de trabalho. O Pe. Javier, que tinha ficado para trás a fechar a porta do ascensor, ouviu o Padre chamar de lá de dentro. Foi a correr. Não estou bem, disse-lhe com voz débil. Ato contínuo caiu ao chão.

Uma morte repentina

Os parágrafos que se seguem foram tirados de uma carta que D. Álvaro del Portillo, o então Secretário Geral do Opus Dei, escreveu aos membros da obra, de Roma, a 29 de Junho de 1975.

“Utilizamos todos os meios possíveis, espirituais e médicos. Eu dei-lhe a absolvição e a extrema-unção, quando ainda respirava. Foi uma hora e meia de luta, de esperanças: oxigênio, injeções, massagens cardíacas. Entretanto, renovei várias vezes a absolvição (….).

Não conseguíamos convencer-nos de que tinha falecido. Para nós, foi certamente uma morte repentina; mas para o Padre foi, sem dúvida, algo que vinha amadurecendo – atrevo-me a dizer – mais na sua alma do que no seu corpo, porque era cada dia mais frequente o oferecimento da sua vida pela Igreja (….).

Depusemo-lo no oratório de Santa Maria, com toda a veneração e o nosso afeto, diante do altar, retirando, previamente, o candelabro votivo que há sempre nesse local. O Padre ainda tinha a batina preta vestida (…).

Também trouxeram quatro castiçais. Arranjamos o corpo do nosso Padre com todo o amor. Pouco depois, foi paramentado – por cima da batina -, com o amito, a alva, a estola e a casula. A alva era de cambraia de linho, cor de marfim, com forro de seda vermelha sobre a renda de Bruxelas desde a cintura até aos pés. Era a alva que usava nos dias de festa (…).

O Padre tinha o rosto extremamente sereno: uma serenidade que infundia uma grande paz em todos quantos olhavam para ele”.

Morreu como era seu desejo: Cumprimentando uma imagem de Nossa Senhora de Guadalupe. Das mãos da Senhora recebeu a rosa que abre as portas da eternidade para o Amor.

Andrés Vázquez de Prada, O fundador do Opus Dei, Tomo III: Os caminhos divinos da terra, Lisboa, Verbo, 2004